terça-feira, 2 de abril de 2013

Meu quintal é maior que o mundo - Para a Caravana Tapioca!

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água, pedra, sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos,
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

de Manoel de  Barros


Começar com o poema "Apanhador de desperdícios", é começar com um poema perfeito para ser a gênesis de um palhaço, mas nesse caso, é sobre um projeto, uma pesquisa, um ação potente de uma carava feita de dois palhaços!
Falo de um trabalho lindo que só não acompanho de perto porque as minhas curtas asas não permitem voar sempre de São Paulo para o Nordeste coisas que o mundo virtual permite...
E de longe sempre acompanho o blog, as fotos, as movimentações do grupo Carava Tapioca que esta com seu quintal em Recife, com a dupla Anderson Machado e Giulia Cooper, que juntos formaram o grupo em 2010 e seguiram se apresentando nas ruas, palcos e picadeiros pelo agreste, pelo sertão pernambucano e por onde mais as rodas e as portas se abrissem como pude ver e me orgulhar no ultimo Anjos do Picadeiro - Encontro Internacional de Palhaços no Rio de Janeiro.

Mas porque falar deles? Com tantos grupos por ai? 

Porque chegou a mim via internet, o documentário "Carava Tapioca sobre Rodas", um projeto contemplado pela prêmio Funarte Artes na Rua - 2011 circulando pelo interior de Pernambuco com dois espetáculos, oficinas, movimentando a população e os grupos de teatro local a se apresentarem juntos com eles... E esta ai o meu motivo para falar deste grupo... 

Ouvi uma vez que o palhaço tem que falar do seu quintal para o mundo, e é difícil fazer com que os nossos desejos, bobeiras e criações, tão nossos consigam chegar aos outros, de um grande shown de um pulga adestrada até as trapalhadas de um cozinheira! Eles conseguiram, o seu quintal de bobeiras deixou de ser pequeno e invadiu o Recife, e mudou e chegou onde poucos se preocuparam em chegar, foram os meus "apanhadores de desperdício" que levaram sua arte a lugares desperdiçados, a arte na rua indo até o quintal das pessoas pouco acostumadas a ter arte assim com essa facilidade que em São Paulo de bobeira vemos na Paulista, a arte não chega assim em todos os lugares, e  ainda há muito o que se fazer para que arte seja algo realmente democrático, é preciso dar respeito as coisas desimportantes e aos seres desimportantes, e o palhaço com sua causa boba e a sua luta tola de apenas levar  o riso (caso isso gera reflexões ou modificações são lucros do oficio!), pois no final das costas é o riso que interessa, é ele que tem esse poder de chegar a lugares que não se entra, de construir relações, de fazer essa ponte onde não importa que os palhaços sejam de São Paulo e o quintal seja pernambucano, o que importa é que o palhaço lá do pequeno quintal consiga mover o mundo, ou mover o meu mundo que seja, ou o seu que esta lendo, porque não a nada mais potente do que mover somente pela inspiração, e é isso que este trabalho fez, me inspirou, me emocionou e me fez refletir, para quem estamos fazendo arte, para que?  

Fecho dizendo que uso a palavra para compor meus silêncios, e uso o documentário para mostrar onde minhas palavras já não alcançam... Sim, faltou palavras, mais que bom, sobraram em imagens! Aproveitem e se inspirem:




Acompanhem este grupo que não para além deste trabalho, está próximo o I Festival de Circo a Céu Aberto produzidos por eles:



Aos meus queridos Anderson e Giulia, parabéns por desbravarem o mundo com o palhaço, com o circo e suas artes e compartilharem conosco! Aqui da terra da garoa acompanho e tenho orgulho de cada conquista dessa Caravana Tapioca!   

Monique Franco.