quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

E o palhaço de aniversário o que é?

Texto Postado pela Curadora:
Monique Franco
Conheç
a mais:
Visite a Página 
dos Colaboradores







O Palhaço é palhaço em qualquer lugar!

O Palhaço é palhaço em qualquer lugar e a sua dignidade esta em defender a sua arte, seu prato de comida, sua maneira de (r)existir. Seja no picadeiro, no palco, nas ruas, em eventos ou festas de aniversario. Sim festas de aniversários e porque não? 

Tenho lido muito ultimamente sobre a arte da palhaçaria e sempre me deparo com algumas entrevistas à palhaços renomados com perguntas do tipo “você tem medo ou vergonha de dizer que foi palhaço de festa de aniversario?” ou artigos que hora ou outra colocam esta função como menor. Mas gostaria de discutir esse local um pouco mais a fundo tentando entende-lo como espaço físico, como necessidade, escolha e escola onde muitos passaram e muitos ainda irão passar. 


Voltemos um pouco na história para entender essa tradição dos palhaços em festas e grandes eventos, passando pelos bobos da corte, onde os reis ostentavam cada um seu próprio bobo, até chegar aos dias de hoje. No livro “O Elogio da Bobagem” de Alice Viveiros de Castro1 em um dos subtítulos colocado como “Uma das mais antigas profissões...”, destaco um trecho para reflexão: 

“No inicio, fazer palhaçadas era uma atividade esporádica e o palhaço uma figura presente apenas nos rituais. Mas, pouco a pouco, os que se destacavam foram ficando famosos, recebendo convites para apresentações especiais e acabaram por ter uma profissão: cômico. Ricos e poderosos se sentiam mais ricos e mais poderosos se pudessem ostentar o seu palhaço exclusivo, garantindo risos e diversão a seus convidados. E mesmo os que não eram nobres gostavam de ter um palhaço nos momentos especiais: casamentos, batizados e festas para os deuses... tudo pedia a presença dessas figuras que garantiam a alegria da festa.” 

Qual parte dessa história incomoda os que vivem da arte do palhaço? Talvez o fato de muitos defenderem o fazer para o povo, fazer por uma causa, e o que vemos no texto e na realidade atual é que quem podia e pode ostentar um palhaço é quem tem algum tipo de poder aquisitivo. 

Hoje com a volta dos palhaços na TV2, um dos principais temas usados em festas voltou a ser o circo, e com isso a procura por palhaços cresceu, digo isso por experiência própria, por inúmeros convites para fazer apresentações em salões, playgrounds, quintais e até mesmo em salas minúsculas de apartamentos. E refletir sobre esses locais já é uma aprendizagem, tornar a apresentação possível em ambientes que, sem exceção, nunca sabemos qual é, e falando do espaço físico, de apresentar a frente da mesa do bolo em uma sala de apartamento onde alguns privilegiados assistem sentados ao sofá e outros nem tanto pois, ficam de pé espremidos na porta que dá para a cozinha e alguns convidados que entram pela porta de entrada e são surpreendidos pelo show se tornando uma das piadas dos palhaços que não podem ignorar nada nesse jogo de 360º. 

Isso é uma das realidades que tenho certeza de não ser a única a encarar por ai e também sei que muitos sabem a escola que isso acaba se tornando na formação do palhaço, que aprende a tornar-se um camaleão, a trabalhar, não somente com o espaço que modifica as relações, mas de como ele interfere nesse espaço e nessas relações. Pois, falo de um lugar importante do palhaço, o de interventor, o que entra para modificar o ambiente, subverte-lo, bagunça-lo e somos convidados pelos próprios donos da casa a fazer isso, para que? Para diverti-lo? Para causar o riso? Para provocar em falas que todos riem sobre as relações dessa gritante diferença dos palhaços que o mais longe que foram foi a Aparecida do Norte e das crianças presentes que foram a Disney sem nem ter completado um ano de vida? Tenho certeza que a partir dai entramos numa discussão muita mais profunda do que fazemos. Do porque fazemos rir e até do que rimos. 

A função do interventor, do palhaço como interventor em diversos ambientes que não são exatamente direcionados a arte como os hospitais, empresas e etc. cabe em outros milhões de textos e em outras milhares de reflexões, porque sempre nos levar a questionar o como fazer para subverter, sem coagir a essência do palhaço, algo nesses lugares: as regras, as relações, as hierarquias, as atenções a algo. Como equilibrar nossa atuação entre o não perder a verdade do palhaço que pode falar com o recado que muitas vezes somos direcionados pelo contratante a dar. 

Mas voltando e finalizando este espaço em especial a nós – os também palhaços de festa de aniversário – onde não nos cabe julgar a dignidade de nossas escolhas ou de nossas necessidades. Mas sim, desse fato que me alegra de saber que o palhaço tem esse poder de ser para todos, afinal alta, média ou baixa classe somos todos Povo. Termino com um trecho (que defendo na integra!) das lindas palavras de Luiz Carlos Vasconcelos3, o palhaço Xuxu, que em entrevista redigida para a revista “Anjos do Picadeiro 7”, responde a pergunta que fiz acima, e que ao ler me inspirou a escrever esse texto e aceitar com orgulho e carinho o meu modo de fazer palhaço, sendo palhaço aonde for: 

“Você não tem medo, nem vergonha de afirmar que você fez palhaço de aniversário. Tem muita gente que nega esse passado. 

- Foi uma grande escola. (...) Esse estar na casa dos outros, nos playgrounds dos prédios dos outros, com uma criança chorando com medo de você, com crianças estúpidas e violentas, com crianças lindas, tudo o que é humano, isso é que me formou. Tentar perceber o casal se levantando, indo embora porque aquilo que você esta fazendo é horrível, não funciona, e por ai vai. Acho que a vida vai armando, a minha trajetória era viver, eu tinha que poder comprar o pão, pagar o aluguel do quartinho lá da Pires de Almeida. Toda uma conjuntura de vida, uma situação de vida, a pulsão maior era ter o que comer, e junto com isso, o prazer.” 


Notas:
1. Alice Viveiros de Castro é pesquisadora circense, diretora de teatro e acrobata mental. 
2. Em 1953, o palhaço Arrelia foi o primeiro a aparecer na TV, tendo seu próprio programa “O Circo do Arrelia”, que ficou no ar por mais de 20 anos, a partir dai muitos outros palhaços também ganharam destaque na TV. Ficando um tempo fora do ar, os palhaços voltam a ser febre em 2012 com o programa do Patati Patata, e outros como Atchim e Espirro e Bozo que aproveitam a velha nova moda dos palhaços na TV. Errata: Alice Viveiros em postagem através do Blog "O Arrelia apareceu na primeira exibição de televisão no Brasil. Mas o primeiro programa de palhaço foi o do Carequinha no Rio de Janeiro".

3. Luiz Carlos Vasconcelos é ator e também o palhaço Xuxu, grande artista, tem visibilidade em diversas mídias como: cinema, teatro e TV. Produziu o encontro de palhaços “Risos da Terra” em 2001, fez parte das escolas Piolin e Escola Nacional de Circo, de onde formou a Intrépida Trupe.

8 comentários:

  1. Sensacional, Monique!!
    Sempre reflito sobre esse assunto e de uns tempos pra cá tenho achado muito gratificante os diversos trabalhos e diversos locais que um palhaço pode habitar!
    É como resgatar a função do bobo da corte que tinha a liberdade de dizer o que pensava ao rei sem perder a cabeça. E mesmo que algumas festas sejam um ambiente hostil, o Palhaço diz, aponta e ainda ganha cachê e comida! Hahahaha!
    Viva os encontros!
    Viva a liberdade!

    Parabéns pela reflexão!

    Beijos,
    Carol

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada Carol!

      E isso do contratante versus palhaço ainda dá muito texto, reflexão e pano pra manga de como lidamos com isso, sem perder a cabeça como os bobos da corte mas que ao final ainda temos nosso cache e comida como não!!rs!!

      Valeu.
      Beijos
      Monique Franco.

      Excluir
  2. Comentários Retirados do Facebook:

    Erickson Almeida: Primeiro a barriga, depois a moral (Bertolt Brecht).

    Heraldo Firmino: Eu acho que o lugar onde atua o palhaço ñ é o problema, o importante e ter preparo para atuar neste ou aquele lugar , já vi ótimas interações de palhaços em aniversários , mas confesso que na maioria das vezes o "intitulado palhaço" deixava mt a desejar, pelo simples fato de ñ ser palhaço, e sim alguém fantasiado, banaliza os de profissão e isto esta em varios seguimentos... mas falamos de festa de aniversário, é trabalho ! Então ...

    Erickson Almeida: É isso aí Heraldo Firmino. Existem grupos de palhaços que trabalham com apresentações em meio ao fogo cruzado, como é o caso dos palhaços sem Fronteiras, outros grupos nas ruas, teatros, circos, hospitais e porque não em festas de aniversario!!??. Isso é uma maravilha, saber que essa arte que a gente se propôs a fazer pode alcançar tão longe.
    Acho que o mais importante a fazer é parar com essas criticas sobre escolha dentro da linguagem e ajudar, orientar, trocar informações com os colegas que também estão nesse meio. Pensar em um trabalho de ótima qualidade e com muito amor e alegria!!!

    Monique Franco: Eu concordo... Mas queria falar do lugar mesmo, nem estava ligado ao preparo, tem que ter preparo e estudo independente do local, mas no texto falo um pouco desse preconceito que gira em torno disso, por isso que quando o Heraldo Firmino fala o lugar onde atua o palhaço ñ é o problema, então por que ainda há esse preconceito com os que fazem aniversário sabe? Se eu falar que sou um palhaço de hospital é comum e normal, mas se falamos que somos palhaços de aniversário é nítido um certo desconforto, talvez por seja um lugar comum de encontrarmos os "intitulados palhaços" que banaliza a profissão... Mas daí em entrevistas, como falo no texto, a entrevistadora pergunta se ele não tem vergonha, vergonha de que? Bom só pensando junto com vocês!
    _____________________________________________________________________________

    Viviane Figueiredo: Eu acho que em qualquer lugar que vc se propõe a fazero seu palhaço, ele tem que ter dignidade. É um personagem muito mágico para ser banalizado e aviltado por não palhaços. É uma escola importante sim.
    ______________________________________________________________________________

    Carlos Biaggioli: vivi disso por 12 anos... fui várias vezes do céu ao inferno e voltei... e demorei uns 3 anos pra conseguir abandonar de vez... Equiparo ao vocalista de barzinho noturno... a gente se aprimora, mas pouquíssimos realmente percebem o valor disso... Mas faz parte da carreira! E pra que não pensem que sou "sapo de fora", ano passado, com muita alegria e orgulho, completei 30 anos de carreira de Palhaço!
    ______________________________________________________________________________

    Anderson Machado: Ótimo Monique Franco. Me emocionei, esse texto também sou eu!
    ______________________________________________________________________________

    Sueli Floriano: De forma simples e racional,você, Monique Franco, nos leva a refletir vários aspectos desta arte maravilhosa com ramificações infinitas de atuar. Viver de arte neste país não é muito fácil,por isso onde quer que esse profissional do riso vá, não deve esquecer quem ele é e cumpra com dignidade e alegria o seu papel de ser palhaço!!

    ResponderExcluir
  3. Dario França: ótimo texto Monique. Sempre tento fazer o meu melhor em qualquer lugar que atuo sem distinção, umas das apresentações mais divertidas de minha vida foi em uma garagem em frente a uma mesa de bolo da galinha pintadinha, só me incomoda um pouco esse preconceito com palhaço de festa por afirmarem ser culpa de "intitulados palhaços" , conheço "intitulados médicos, atores, pedreiros, garçons, advogados etc" não da pra generalizar, tem profissional desqualificado em qualquer área porque o de festa é ruim ? Mas me identifico com sua reflexão pois festas de aniversário me ensinam muito e me ajuda financeiramente para continuar a viver disso. Parabéns pelo texto !

    ResponderExcluir
  4. Sempre inspiradora Dominique, ops, Monique! heheh
    O palhaço é palhaço onde quer que esteja. E o preconceito ainda vai bater muito as nossas portas! Festas são belos aprendizados, assim como as ruas, teatros, praças... O importante é manter o olhar aceso para as mil coisas que vão acontecer ali., o que import é viver o presente! Seja onde for!
    Adorei o texto! Adorei o blog! É sempre bom se por pra pensar nessas coisas todas que o "ser palhaço" traz!
    Parabéns!
    Gi

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada Gis!!
      Acho que cada vez mais podemos derrubar esses preconceitos, nesse caso onde acredito que este preconceito nasce da classe artística, nasce de nós mesmo, acredito que falando sobre isso, conversando, possamos dissolver um pouco isso entre nós...

      Beijos

      Excluir
  5. Adorei o blog! Mas já começo polemizando..... O Arrelia apareceu na primeira exibição de televisão no Brasil. Mas o primeiro programa de palhaço foi o do Carequinha no Rio de Janeiro. Pooucos meses depois o Arrelia tinha o seu programa..... beijos, saudades e parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Alice!!

      Obrigada sempre, e venha polemizar mais e mais e quando quiser, se quiser contribuir também, como é um blog coletivo seria um prazer ter suas ideias e polêmicas por aqui rsrsrs... E colocarei isto no texto!

      Obrigada e saudades!

      Excluir